sábado, 5 de setembro de 2009

Boas iniciativas...


Cidades seguras para as mulheres


Qual mulher, ao atravessar um parque vazio e escuro à noite, não sentiu medo de ser atacada? De acordo com as líderes do programa "Cidades sem violência para as mulheres, cidades seguras para todos", implementado há três anos em Santiago do Chile, Bogotá (Colômbia), Rosario (Argentina) e Recife (Brasil) e há um ano em cidades de El Salvador e da Guatemala, são muitas as mulheres que deixam de circular durante a noite por medo da violência urbana.
E quantas dessas mulheres não acham que esta situação, comum nas cidades modernas, viola seus direitos fundamentais como cidadãs e é uma forma de violência de gênero que limita suas posibilidades de desenvolvimento pessoal e profissional?
Dar-se conta de que “o normal” não é tão normal assim, é um dos principais obejtivos do programa implementado pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) e articulado na América Latina pela Red Mujer y Hábitat, que integra um grande número de organizações de mulheres no continente. Conseguir influenciar as agendas locais para a construção de políticas urbanas equitativas é a outra grande conquista que surge como consequência do empoderamento das mulheres.
“Uma das jovens estudantes com as quais trabalhamos na localidade de Suba, em Bogotá, na Colômbia, depois de um exercício de mapeamento dos lugares inseguros de seu bairro nos dísse: ‘esta é a primeira vez que me dou conta de que chegar à noite em minha casa com segurança é um direito”, recorda Lucy Cardona, da Associación de Vivienda Popular, uma das organizações que desenvolve o programa no país.
A idéia de trabalhar pela diminuição da violência que afeta especificamente as mulheres nas cidades surgiu da observação. “Ao ver que as mulheres não saem, não levam os filhos para os parques e vivem em uma espécie de enclausuramento, somado à violência intrafamiliar que reforça o medo, vimos a necessidade de fazer com que as mulheres se apropiassem de sua cidade”, explica Olga Segovia, da Unifem Brasil.
Esquinas desertas, parques sem iluminação, rotas de ônibus deficientes durante a noite, homens consumindo bebidas alcoólicas e drogas são aspectos apontados pelas mulheres como ameaças. Liliana Rainero, representante da Rede na Argentina, explica que a organização da cidade, a distância dos serviços e a disponibilidade de transporte público afetam de maneira substancial a vida de mulheres e homens.
"A insegurança ou a segurança constituem atributos do espaço físico e, para as mulheres é um dos obstáculos mais relevantes que hoje existem na vida das cidades, onde, ao medo generalizado, se soma o medo da violência sexual", explica Liliana.
Infelizmente, o medo não acaba quando se fecham as portas de casa. Basta citar dois exemplos: no Recife, nordeste de Brasil, 300 mulheres são assassinadas por ano por seus companheiros e, em Bogotá, segundo o Instituto de Medicina Legal, a cada 53 minutos se registra uma mulher maltratada por seu companheiro.
Por isso, o objetivo do programa é promover cidades sem violência para as mulheres tanto no espaço privado como no espaço público. Mas como mudar esta lógica agressiva?
Recife apita
Joana Santos, da SOS Corpo, explica que aos poucos vão sendo realizadas ações significativas para mudar a situação no Recife. O sólido movimento de organizações de mulheres com 20 anos de trajetória conseguiu impulsionar o programa de cidades seguras durante os últimos três anos para dars visibilidade ao problema da violência contra as mulheres e gerar repúdio perante crimes que passariam despercebidos.
Por um lado, foram realizadas ações que começaram simbólicas e acabaram se convertendo em mecanismos efetivos. É o caso do uso do apito cada vez que uma mulher está sendo agredida. “Isto inibe a ação violenta, oferece solidaridade à mulher e traz a público uma atitude violenta”, explica Joana.
Paralelamente, as mulheres do Recife têm dado ênfase na formação política de seus grupos para motivar a criação de espaços de diálogo com entidades oficiais e assim poder influenciar verdadeiramente no desenho de políticas urbanas.
"As necessidades mais urgentes para reduzir a violência contra as mulheres são ter mais delegacias de polícia e melhorar os centros de recepção de casos de violência contra mulheres em áreas rurais. O pessoal que atende esses casos deve ser melhor preparado para uma verdadeira aplicação da lei Maria da Penha, porque temos visto que ela não tem sido aproveitada em toda sua dimensão", conclui.

Rosario atua
Na cidade de Rosario, na Argentina, a vontade política presente há várias administrações possibilitou um notável avanço em termos de equidade de gênero na localidade. Por um lado, como explica Liliane Rainero, se conseguiu uma aliança com a Guarda Urbana Municipal – polícia desarmada - para que, a partir da capacitação em atenção e prevenção da violência contra as mulheres, os policiais pudessem oferecer maior mejor apoio, por exemplo, no transporte público onde as mulheres podem ser agredidas.
Além disso, após um processo de sensibilização para identificar as violências cotidianas de que eram vítimas e as possibilidades para mudar isto, as mulheres se apropiaram de uma praça abandonada e destruída, pintaram um mural com uma mensagem que proclamava seus direitos a uma cidade com "mais mulheres nas ruas, segura e sem violência" e isto conquistou o apoio da prefeitura para equipar a praça com mobiliário urbano e iluminação adequada. "Por isso esta praça tem um valor simbólico”, afirma Liliana Rainero, representante da Red Mujer y Hábitat na Argentina.

Bogotá participa

Ter voz e voto nos debates locais era o principal objetivo do "Cidades seguras para as mulheres" na localidade de Suba, em Bogotá. Para conseguir isso, o programa teve que fazer uma capacitação das mulheres da comunidade que implicava empoderá-las de seus direitos e capacidades para intervir na vida pública do bairro.
Para Marisol Dalmazzo, da Associación de Vivienda Popular, o más difícil era jogar com as regras masculinas. “No que se refere à construção da cidade e à participação delas nesse processo, as regras do jogo não permitem que as mulheres cheguem a esses espaços", afirma Marisol.
"Se não estiverem acompanhadas por uma ONG ou por assessores, é muito complicado que cheguem a essas instâncias, mas conseguimos bons resultados", comemora. Dalmazzo afirma que foram modificados acordos que regulamentam a participação delas e agora o grupo focal de 35 mulheres com o qual começaram a trabalhar está mais ativo. "A idéia já não é só incidir no Plano de Ordem Territorial Local, mas também na revisão do Plano de Ordem para a cidade", completa.

Santiago se apropia

Conquistar a noite, um dos momentos mais ameaçadores para a segurança das mulheres e apropiar-se do bairro são as premissas do programa em Santiago do Chile, como explica Marisol Saborido, de Sur Corporación, a organização que coordena a iniciativa da Unifem naquele país. As chilenas se mobilizaram para recuperar espaços tradicionalmente perigosos ou descoupados, como parques e praças que durante a noite ficam desertos.
Mas a base de tudo isto, explica Marisol, é um trablho muito sólido com a autoestima de cada mulher. “A conquista do espaço público tem relação com o própio corpo. Se este é violentado e vulnerabilizado, nasce um temor muito grande de apropiar-se do bairro", explica Marisol.
"Trabalhando no âmbito pessoal e corporal, se avança no processo de empoderamento. Quando as mulheres encontram solidaridade entre elas, nasce a convicção de que podem fazer algo juntas e, por isso, o movimento de mulheres se transforma em algo tão forte na comunidade local”, ensina.
Além deste trabalho de campo, na linha de pesquisa o programa no Chile está elaborando um relatório sobre violência comparada nas cidades de Bogotá, Santiago e Rosario.

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