sábado, 23 de janeiro de 2010

Governo federal cobra de MG explicações sobre assassinato de mais uma "ANA"

Governo federal cobra de MG explicações sobre assassinato
Aécio reconhece necessidade de uma "reformulação interna" na área

Tâmara Teixeira e Raphael Ramos

A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres quer explicações do Estado para saber se houve falhas ou omissão na apuração das denúncias de agressão contra a cabeleireira Maria Islaine Morais, 31. Depois de fazer oito queixas contra o borracheiro Fábio Willian Soares, 30, a mulher foi assassinada por ele, na última quarta-feira, com nove tiros à queima roupa.

A subsecretária de Enfrentamento da Violência contra a Mulher da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Aparecida Gonçalves, informou que o órgão enviou um ofício ao Secretário de Defesa Social do Estado, Maurício de Oliveira Campos Júnior, ao Procurador Geral do Ministério Público de Minas Gerais (MP), Alceu José Torres Marques, e ao presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Sérgio Resende, solicitando informações quanto ao desenrolar das investigações.

O governador Aécio Neves disse ontem que o Estado vai tentar ser mais efetivo no que se refere ao cumprimento da Lei Maria da Penha. "A frieza desse crime e a forma como foi filmado chocou a todos e merece também uma reformulação interna da nossa parte para que possamos estar mais atentos em casos notórios como esse, em que a ameaça é efetivamente real".

O TJMG confirmou que, em outubro de 2009, recebeu o pedido de prisão preventiva de Soares feito pelo advogado de Maria Islaine, Fernando Nascimento. O juiz poderia ter decretado a medida, considerada extrema. No entanto, o magistrado entendeu que deveria consultar o MP, pois não poderia se basear apenas nos boletins de ocorrência. O MP pediu instalação de inquérito à Polícia Civil. Na Delegacia de Mulheres, a informação é de que quatro inquéritos foram instaurados.

Depoimento. Enquanto as discussões sobre as falhas do caso continuavam entre autoridades, o homem que matou a cabeleireira foi apresentado ontem no Departamento de Investigações da Polícia Civil. Com o olhar indiferente, pés descalços e cabeça baixa, Soares não apresentou qualquer reação. Preferiu se calar, conforme orientação do seu advogado, Ércio Quaresma. A postura era bastante diferente daquele adotada por ele quando invadiu o salão da ex-companheira, no bairro Santa Mônica, em Venda Nova. A única fala ocorreu quando foi questionado por um policial se estava arrependido do crime. "Não sei", afirmou.

A polícia encontrou celulares e aproximadamente R$ 4.000 em dinheiro com o borracheiro,que ficou mais de 12 horas em um matagal durante a fuga. Segundo Quaresma, o cliente dele apresentava estar transtornado. "Não estamos tratando de um animal", disse. O advogado afirmou que vai tentar que Soares responda o processo em liberdade. Ele vai entrar com o pedido de habeas corpus.

Estratégia. Em uma crítica direta à Polícia Civil, Ministério Público e Justiça, o advogado chegou a dizer que, se Soares tivesse sido preso anteriormente, a tragédia poderia ter sido evitada.De acordo com o delegado Álvaro Homero, da Homicídios Venda Nova, a arma do crime, provavelmente uma pistola 9 mm, não foi encontrada. O policial informou que o borracheiro revelou apenas ter se desfeito da pistola durante a fuga.

O borracheiro confessou o crime. Ele teria revelado ao delegado que, além do ciúme da ex-mulher, os dois brigavam também por causa de um apartamento. O delegado revelou que o imóvel foi vendido por R$ 75 mil, mas a vítima reclamava o recebimento dos R$ 25 mil a que teria direito.

Segundo Homero, duas testemunhas já foram ouvidas. Soares também foi interrogado ontem. O borracheiro deve ser indiciado por homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e sem dar chance de defesa à vítima). Ele pode pegar de 12 a 30 anos de prisão.

O processo de denúncia da agressão
- Assim que a mulher sofre uma ameaça ou agressão, ela deve procurar a Delegacia de Mulheres para fazer uma representação contra o autor.
- Um inquérito é instaurado e, no caso de agressões físicas, a vítima é levada para realizar exame corpo de delito no IML. Durante as investigações, testemunhas são ouvidas e provas anexadas ao processo.
- Se houver necessidade, o delegado solicita que medidas protetivas sejam concedidas à vítima.
- O processo é encaminhado à Justiça. O juiz responsável determina quais as medidas protetivas necessárias. Depois, concede à vítima um documento
- que ela deve ter em mãos
- sobre as medidas concedidas e comunica ao autor. Caso o agressor não cumpra as ordens judiciais, a vítima precisa acionar a polícia e registrar o fato, sempre com alguma prova testemunhal ou física. O Ministério Público, delegados ou até mesmo o advogado da vítima podem solicitar ao juiz que determine a prisão do agressor.
- Para a solicitação da prisão, basta uma única reincidência, desde que seja uma clara situação de risco à vítima. No caso de ser o advogado da vítima a pedir a prisão, o juiz procura ouvir o MP para avaliar se cabe mesmo a determinação.

Fonte: Assossiação dos Magistrados de Mineiros
Ameaças de morte em 80% dos casos
Os números do Tribunal de Justiça de Minas mostram que as denúncias de mulheres agredidas por seus companheiros merecem toda a atenção das autoridades. Em 80% dos cerca de 25 mil processos referentes à agressões que tramitam na Justiça do Estado, as vítimas relatam já terem recebido ameaças de morte.

A subsecretária de Enfrentamento da Violência contra a Mulher da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Aparecida Gonçalves, afirmou que uma das dificuldades em se cumprir a Lei Maria da Penha é o posicionamento dos órgãos de seguranças do país. “Ainda estão contaminados pela nossa cultura machista. O que os policiais e juízes precisam entender é que as mulheres não estão exagerando nos seus relatos. O caso da Islaine comprova que as ameaças são cumpridas”. (TT) Publicado em: 23/01/2010
Fonte: Jornal o Tempo

Nenhum comentário: