sábado, 23 de maio de 2009

Violência contra a mulher, uma das histórias de Ana


Era por volta das 11hs da manhã e a nossa viatura estacionava nas proximidades da delegacia das mulheres de Belo Horizonte. O dia estava claro e ensolarado. Era novembro e o cheiro de suor na minha farda sob o colete à prova de balas avisava sobre a chegada do verão. Estava muito quente. No rádio da nossa viatura policial escutávamos o despachante anunciar as ocorrências que surgiam a todo instante. A delegacia fica situada em um bairro tradicional e em uma área nobre da capital mineira. Estávamos em cinco pessoas, dois policiais, um dos quais era eu, e um casal cheio de conflitos e uma criança.

Uma hora antes de nossa chegada à delegacia, fomos empenhados para atender uma ocorrência que se tratava de uma mulher que estaria sendo agredida pelo marido. Anotamos o endereço, o nome da solicitante, que no caso era a vizinha, o horário, enfim, o básico para iniciarmos o atendimento.

Era uma casa de fundos. O casal mais uma criança moravam de aluguel. Eram jovens, 22 e 24 anos. Ela estava desempregada. Ele trabalhava em um trailer de hambúrguer, mas fez questão de dizer que quem os sustentava era praticamente a mãe dele. O acesso era pelo corredor lateral externo da casa. O corredor seguia descendo. A casa era grande e esse casal morava nos fundos. Outras famílias residiam nos outros três andares. A casa era de três pavimentos.

Atravessamos o corredor lateral e chegamos até a porta da casa deles. Havia uma pequena varanda em forma de quadrado e uma pequena mureta para entrar nessa varanda. Batemos na porta e ninguém abriu. Batemos outra vez não apareceu alguém para abri-la. Na terceira vez um rapaz abriu.

Jovem aparentando uns 22 anos de idade, sem camisa, branco, cabelos pretos e crespos, aparentemente nervoso e se impondo como o dono da casa nos disse que estava tudo bem e que nada de mais havia acontecido. Atrás dele, uma jovem aparentando ser mais velha uns dois anos, também branca, cabelo preto, anelado e curto, surgiu em nervos. O seu rosto estava desfigurado pelas lágrimas, pela raiva, pela pintura borrada e pela indignação e humilhação de ter sido agredida pelo seu companheiro na frente do seu filho de dois anos. Ela estava grávida de alguns meses do segundo filho do casal. Foi encontrada a camisa suja de sangue e as marcas no corpo dela. A moça havia sido agredida com socos e chutes além de ter sido ameaçada com uma faca.
Aquela porta aberta é uma realidade de milhares de mulheres e de centenas de policiais. A explicação para a centena de policiais e as milhares de mulheres no Brasil e no mundo está no fato de que a maior parte das agressões conjugais cometida contra a mulher pelos seus parceiros não chegam ao conhecimento da polícia.

Entramos na delegacia com os envolvidos, sendo ele algemado pelas costas como autor. Redigimos o boletim de ocorrência e os entregamos nas mãos da delegada. O valente ficou preso e a moça aguardava na delegacia para ser enviada ao hospital para atendimento. Enquanto aguardávamos a liberação da delegada para retornarmos à nossa área de trabalho eu me sentei no banco de espera. Alí observei que dentro daquela casa adaptada em delegacia de polícia, as paredes eram pintadas em cores claras, suaves e limpas, chão limpo e os ambientes decorados com plantas. Era um lugar organizado e com traços da alma feminina que criava um tom de contraste com as vítimas dessa violência bárbara que aguardavam a solução para o seu problema.

Sentei-me ao lado de uma moça, uma jovem bonita, loira de cabelos ondulados a altura do ombro, aparentando uns 23 ou 24 anos de idade, olhos pretos, magra, bem vestida e simpática. Em suas mãos estavam os registros da brutalidade de homens ignorantes e desequilibrados que oprime qualquer mulher que se deixa seduzir. Eram fotos do exame de Instituto Médico Legal. Em nada se aproximada da bela jovem que estava ao meu lado. Ela fora agredida covardemente no rosto, seus olhos estavam roxos em inchados. Sua pele branca se misturava com as cores da violência. Ela havia passado por uma cirurgia para reparar o osso da mandíbula. Ela havia sofrido um soco no queixo, dentre vários golpes que suportara no corpo, que causou a quebra do osso. O agressor era seu amásio que em poucos instantes iria aparecer para buscá-la na delegacia de polícia.

Como mais uma vítima da violação aos direitos humanos das mulheres, essa jovem foi espancada por que o seu companheiro não aceitou a separação. Ele não queria que ela fosse embora da vida dele, ele não aceitou respeitá-la como companheira e a tinha como propriedade da sua insanidade e descontrole. Ela, disse não ter lugar para ir, a família não era uma opção de ajuda. Ela disse que estava ali para denunciá-lo e mais uma vez depor contra ele.

Após a chegada do espancador, a loira se retirou. Dirigi-me até a sala dos presos. Lá estavam os machões que resolveram impor a sua autoridade por meio da violência. Olhando para cada um deles eu me surpreendi ao identificar que o vigia da rua em que na época residia se encontrava preso por bater em sua esposa. Em poucas palavras ele assumiu agressão e nunca mais eu o vi vigiando a esquina da minha rua. Alguns dias depois descobri que a esposa dele era irmão de traficante e o rapaz havia sido jurado de morte.

André Silva
Jornalista e Especialista em Segurança Pública e Criminalidade
andreluizjornalista@hotmail.com


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