Joana estava sentada na entrada da Delegacia de Polícia Civil. Seu rosto estava machucado, inchado e seus cabelos amarrados para trás. Maria Lúcia estava em pé no balcão da recepção dessa mesma delegacia e ela usava óculos escuros, grandes e não era possível ver seus olhos. Em suas mãos, curativos e as chaves de um carro. Maria Lúcia tinha a pele clara, os cabelos pretos e lisos. O canto direito de sua boca estava avermelhado. Aparecida saiu de uma das salas da delegacia passando entre a Joana e a Maria Lúcia. Aparecida era simples, carregava uma sacola e a sua face esquerda estava inchada. Suas unhas não eram pintadas e ela estava falando ao celular, e pelo que as palavras indicavam, ela perguntava pelos seus filhos.
Flávia estava em pé próximo a saída e aguardava alguém, estava bem arrumada, era jovem e em suas mãos estava segurando uma pasta. Naquela pasta transparente havia papéis e entre esses papéis as fotos da dor. O rosto de Flávia era bonito, não tanto quanto antes. Mas após algumas cirurgias ela estava aos poucos recuperando a beleza, ainda que sem brilho. Os papéis na pasta de Flávia era o boletim de ocorrência da agressão que sofrera do seu companheiro. As fotos eram das feridas.
Assim como a Flávia, a Maria Lúcia, a Joana e a Aparecida, diariamente nos quatros cantos do planeta milhares de mulheres e meninas são agredidas pelos seus companheiros, maridos, namorados, ex-namorados, ex-maridos. A Federação Internacional de Planejamento da Família na Região do Hemisfério Ocidental juntamente com a Associação Médica Americana, desenvolveu nos Estados Unidos da América uma pesquisa que revelou que entre 45% e 59% das mulheres que sofrem violência são mães de crianças que sofrem maus-tratos e que as mulheres que sofrem violência representam 25% das que são atendidas nos serviços psiquiátricos de emergência e das que tentam suicídio.
De todas as mulheres assassinadas no mundo, 70% foram mortas pelos próprios maridos, revela a Organização Mundial da Saúde.
A Anistia Internacional cita um dado do Conselho Europeu que revela que a violência doméstica é a principal causa de deficiência e morte entre mulheres de 16 e 44 anos, matando mais do que o câncer e acidentes de trânsito.
A pesquisa intitulada “A Mulher Brasileira nos Espaços Públicos e Privado”, da Fundação Perseu Abramo, de 2000, estima que, no Brasil, 2,1 milhões de mulheres são espancadas por ano, 175 mil por mês, 5,8 mil por dia, 243 por hora, 4 por minuto e uma a cada 15 segundos.
Os dados acima estão expostos na cartilha “Convenção de Belém do Pará – 10 anos da adoção da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher”, elaborada pela Comissão Especial do Ano da Mulher da Câmara dos Deputados em Brasília no ano de 2004.
A família é a célula vital da sociedade. Famílias destruídas ou desestruturadas tendem a gerar indivíduos desestruturados que possivelmente não terão condições de contribuir na construção de uma sociedade com pensamentos e atitudes humanas de não-violência, hombridade, respeito mútuo, cooperação e consciência humanitária.
A violência masculina contra suas mulheres, suas esposas, suas amantes, suas companheiras é uma demonstração de fraqueza e desequilíbrio envolto de um machismo que não conhece o diálogo e nem a resolução pacífica de conflitos. Não há como preservar essas mulheres e meninas da violência física, sexual e emocional sem investir na construção de uma cultura cidadã que entende que o absurdo da violência doméstica é um lento suicídio social.
Mulheres marcadas pelo medo e pela dor não dão o melhor de si. Homens fracos, que necessitam ser contidos nas suas truculências e agressões, devem ser informados que agredir suas companheiras é uma violação aos Direitos Humanos das Mulheres em qualquer parte do mundo.
A cultura cidadã nada mais é do que um resgate aos valores que devem ser defendidos por cada cidadão e sem os quais a convivência social equilibrada e sadia estaria seriamente comprometida. Não haverá fim para esse tipo de violência sem a mudança de atitude e mentalidade de cada homem que algum dia agrediu sua esposa ou amante, daqueles que nunca agrediram mas pensam que mulher deve apanhar.
Devemos desejar um mundo em que filhas e mães não apanhem, que as Delegacias de Mulheres ao redor do mundo deixem de ser necessárias. Devemos sonhar com uma realidade em que agressão doméstica contra a mulher é problema de todos e não uma briga entre marido e mulher “que ninguém mete e colher”. Enquanto ninguém “mete a colher”, mulheres são mortas pelos seus maridos, são estupradas diariamente, agredidas e humilhadas em suas relações que deveriam ser de fidelidade, amor, companheirismo e deveriam durar para sempre.
André Silva
Jornalista e Especialista em Segurança Pública e Criminalidade
andreluizjornalista@hotmail.com