sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Lei Maria da Penha chega aos homens indígenas





Patrícia Negrão/Agência Patrícia Galvão) A violência contra as mulheres nas aldeias aumenta a cada dia. O alerta é de Léia Bezerra do Vale, que está à frente daCoordenação de Gênero e Assuntos Geracionais da Funai (Fundação Nacional do Índio), do Ministério da Justiça. Fazer com que os homens indígenas reconheçam a violência doméstica e envolvê-los na discussão sobre a Lei Maria da Penha é um dos desafios atuais dos movimentos indígenas e dos órgãos governamentais. A pedido das mulheres indígenas, a Funai está realizando oficinas de esclarecimento sobre a Lei Maria da Penha com índios dos diferentes povos em todo o país.
  
Para Léia Bezerra, a Lei Maria da Penha precisa ser conhecida pelos índios, apesar de não contemplar as especificidades dos povos indígenas. “As mulheres indígenas não participaram do processo de elaboração da Lei e por isso não foi adaptada à realidade das aldeias.” Em entrevista exclusiva para a Agência Patrícia Galvão, a historiadora e indígena do povo wapichana fala sobre a violência doméstica nas aldeias e os principais obstáculos para combater a violação dos direitos das mulheres.

Os homens indígenas são violentos com suas mulheres?
A violência vem crescendo desde que os hábitos do mundo externo começaram a ser introduzidos nas aldeias, como o alcoolismo e uso de drogas. A falta de terra, de programas eficazes que tragam benefícios para os jovens, de políticas públicas em geral também fazem com que a violência aumente. Outro problema relatado pelas mulheres indígenas é que muitos homens, ao saírem para trabalhar na cidade, não são valorizados como eram antes internamente na sua comunidade. Voltam frustrados e o primeiro alvo é a família, a mulher, os filhos.

A Funai está trabalhando a violência doméstica especificamente com os homens?
A Coordenação de Gênero e Assuntos Geracionais da Funai fará treze seminários regionais com homens indígenas até o final de 2012. Já realizamos três – em Cuiabá, Manaus e Maceió – nos quais participaram, em cada um, cerca de 40 lideranças masculinas de diferentes povos e comunidades.

Como eles estão reagindo à Lei Maria da Penha?
Eles são resistentes num primeiro momento e muitos não querem participar dos seminários. Mas se interessam quando se dão conta de que a proposta é construirmos juntos mecanismos para lidar com a violência contra as mulheres. No final do encontro, todos se comprometem a levar o assunto para as escolas e assembleias, mas precisam de suporte para esse debate.

Como surgiu a ideia dos seminários para os homens?
Tanto homens como mulheres não reconheciam a violência; por exemplo, jogavam a culpa no alcoolismo. Muitos não viam como atos de violência o que debatemos nos seminários - tanto homens como mulheres. A Lei Maria da Penha dá nome aos tipos de violência e isso é muito positivo. Muitas mulheres ouvem sobre violência psicológica pela primeira vez, começam a identificar e se dão conta de que sofrem esse tipo de violência. E decidiram que não só elas deveriam conhecer os seus direitos, mas seus companheiros também. Os seminários com homens foram, portanto, demanda das lideranças femininas que participaram dos treze Seminários Regionais sobre a Lei Maria da Penha de 2008 a 2010.

A Lei Maria da Penha contempla as necessidades das mulheres indígenas?
As mulheres indígenas não participaram da elaboração dessa Lei e, portanto, não há um olhar específico para a cultura, para as etnias. Há leis internas – os diferentes povos têm distintas formas de resolver seus problemas – que devem ser respeitadas. Buscar mecanismos externos, que não foram criados por eles, é complicado. Mas não podemos deixar de informar que existem. As leis internas devem ser valorizadas, mas para resolver problemas que foram introduzidos nas aldeias, como o álcool, precisamos da ajuda externa. Há povos que, quando um homem comete violência doméstica, retiram o agressor da aldeia para que passe um tempo prestando serviço para outra comunidade.

Quais os principais problemas no combate à violência doméstica cometida por índios?
A falta de conhecimento da Lei Maria da Penha e a falta de capacitação dos profissionais, como delegados. Muitas mulheres indígenas relatam que, ao procurarem uma delegacia, ouvem que índio é problema da polícia federal ou são mandadas para a Funai. É necessário também que sejam contempladas as necessidades específicas dos povos indígenas. Mas não queremos mudar a Lei; elaboramos um documento com propostas de defesa dos direitos das mulheres para ser incluído no Estatuto dos Povos Indígenas, que está em tramitação no Congresso Nacional.

A discussão da violência doméstica é recente nos movimentos indígenas?



Em 2006 foi criada a primeira ação dentro do governo. A Funai elaborou uma linha de trabalho específica e com recursos próprios para atender as demandas das mulheres indígenas - Ação de Promoção das Atividades Tradicionais das Mulheres Indígenas. Foram feitas três oficinas com 410 lideranças de 159 povos. Em atendimento às demandas dessas mulheres, foi criada uma coordenação dentro da Funai, a Coordenação das Mulheres Indígenas, em janeiro de 2007. Em 2008, conseguimos um plano interno e um orçamento próprio de 800 mil reais e o nome mudou para Coordenação de Gênero e Assuntos Geracionais.




Contato com a entrevistada:Léia Bezerra do Vale - coordenadoraCoordenação de Gênero e Assuntos Geracionais da FunaiBrasília/DF 
(61) 3313.3831   leiabvale@gmail.com 

Fonte: Agência Patrícia Galvão

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